sábado, 16 de julho de 2016

A meia noite levarei sua alma (1964)




Neste clássico brasileiro Mojica começa o filme colocando seu personagem Zé do Caixão (em sua primeira aparição cinematográfica) fazendo ao púlbico uma das perguntas filosóficas mais importantes: o que é a vida? E ele mesmo nos dá sua resposta irônica e niilista: é o princípio da morte. Ele continua a fazer provocações até que nos revela a natureza de seu desejo: "o que é o sangue? É a razão da existência".



Zé do caixão é uma espécie de "alma do dêmonio" que aterroriza uma cidadezinha do interior, que como de praxe, é um lugar altamente religioso. Ele vai então procurando uma espécie de esposa perfeita de acordo com sua vida bizarra. Essas pessoas dessa cidadezinha passam então a serem uma espécie de comunidade-passiva perante os desejos sangrentos e terríveis desse ser.

Em seu cinema, Mojica se coloca fazendo todo o tipo de maldades, abusos, assédios físicos e morais. Ele estupra mulheres, cega homens, os afoga e os maltrata de várias maneiras diferentes. Há um momento do filme, em duas cenas que se seguem, ele aparece em dois bares diferentes e literalmente "toca o terror" nessas pessoas. E em ambos bares haviam pelo menos umas oito pessoas: todas assistindo passivamente ao terror. Todas condizentes. E o mais interessante, e talvez um dos pontos principais dos quais eu vi na obra do José Mojica Marins, é exatamente as relações entre a passividade, o medo, e a liberdade e a loucura. Mojica nos mostra com o imaginário dessas pessoas influencia, de maneira tão forte, suas vidas. Essas pessoas, mesmo em um número muito maior, obviamente, podendo organizar qualquer tipo de linchamento contra esse assassino, essas pessoas são tomadas pelo medo, tornando-se assim, completamente passivas. Para eles esse ser que chegara tem algo além deles; algo que está além do próprio entendimento deles, mas que de toda forma é algo que os aterroriza a ponto de transformá-los em escravos. Em um diálogo Zé chega a afirmar para uma mulher: "os homens dessa cidade são todos uns covardes. Não fazem nada, são uns bostas."

 Na verdade o que Zé do Caixão faz é uma espécie de sarcasmo sádico contra esse tipo de religioso, e uma provocação direta a passividade e o medo que tomam conta dessas pessoas. O personagem então, se aproveita para que, com toda a liberdade possível, possa satisfazer-se das piores vontades. O desfecho então, não poderia ser diferente: o surto. Mojica faz valer a velha teoria de que um sujeito completamente desregrado, não saberá lidar com sua liberdade, perderá-se em suas pulsões e enlouquecerá. O próprio Zé do Caixão enforca-se na corda da liberdade. Durante o filme inteiro, é sustentada a idéia de que esse personagem é um ser que está acima do medo. Não que necessariamente haja algo de metafísico nessa discussão, mas em seu próprio modo de ser, Zé do Caixão não teme nada nem ninguém. Mas é exatamente para ele mesmo que ele perde: Mojica faz questão de colocar seu personagem isolado em uma mata, e demonstra como a paranóia se desenrola e enlouque-se o sujeito: ele ouve vozes, sente estar sendo perseguido. Mojica então quebra a lógica construída ao longo do filme: oras, esse personagem não é o filho do diabo, é apenas um maluco. Não se trata de alguem acima dos mortais, mas de um maluco dos mais doidos e sanguinários.

Zé do caixão em uma cena vai, literalmente, "tirar onda" com os mortos. Vai ao cemitério rir de quem morreu e bradar: "vocês não podem fazer nada pois estão mortos. Já eu estou vivo!" Em vários momentos do filme ele faz questão de dizer "estou vivo". Analisando principalmente os diálogos, o filme pra mim se tornou uma espécie de ode thrash à vida e uma provocação ao medo e a passividade contra a falácia da liberdade.


Filme completo



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